sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Interrupção, recomeço.

Ontem, quando chegava em casa com meu filho nos braços, sob uma fina, irritante e insistente garoa, um animal imenso de peito estufado simplesmente pulou na nossa frente, impedindo que continuássemos a caminhar. Paramos. Ele, com seus olhos minúsculos e seu peito enorme, ficou nos olhando por um instante, como quem esperasse que o cumprimentassem, e então soltou seu grito, que começou bem alto e potente e terminou num suspiro, quase sem fôlego: "UÍ, UÍ, Uí, uí, uí, uí, uí...". Pedi então que meu filho o respondesse, e dissesse "oi, Sabiá!". Meu filho, que pronuncia pouquíssimas palavras por enquanto, esticou seu dedo em direção àquele ser alado gigante e respondeu: "Ó!", me mostrando seu novo amigo. Então eu disse: "Boa tarde, Sr. Sabiá, com licença." e avancei na minha caminhada. O Sabiá, por sua vez, deu dois pulinhos pra trás, mas se recusou a sair do meu caminho. Então eu, pacientemente, perguntei o que ele queria, por que não ia comer uma minhoca ou se esconder da chuva, e ele respondeu com outro grito, que soava como a corneta de um arauto: "UÍ UÍ, Uí, uí uí, uí!". Então eu me lembrei que aquela era a última tarde de inverno deste ano, e que hoje começava discretamente o desfile majestoso da Deusa coroada de flores, a tão esperada Prima Vera. E disse ao mensageiro de peito amarelo: "Ah, verdade, Sabiá! Boa Primavera pra você também!" e ele foi pulandinho, saindo do meu caminho com seu imenso peito de cores quentes. Meu filho ficou com os olhos imantados no bicho, o dedo esticado, já sem apontar, embriagado com aquela conversa. Imagino que ele devia estar pensando: "Do que será que eles estavam falando?" visto que durante a primeira primavera de sua vida ele mal fixava os olhos em alguma coisa, e talvez só agora ele tenha ouvido a palavra Primavera com alguma capacidade de entendimento racional. E seguindo nosso caminho, chegamos à sala de casa, onde temos algumas plantas em baixo da janela, e meu filho foi em direção a elas, apontando: "Ó!Ó!" e eu olhei e vi algumas folhas novas em algumas mudas, botões pequeninos em outras, raízes se agarrando à vida surgindo sob alguns galhinhos que enfiei na terra há algumas semanas, e pensei: "Gratidão, mãe Natureza, por me permitir chegar a mais esta primavera, e ver o meu e os teus frutos crescendo. E gratidão por me mandar aquele sabiá-correio, que me permitiu sentir as gotinhas geladas da garoa que caía por um pouquinho mais de tempo, e me lembrar que o inverno dói, mas a Primavera sempre chegará."



Karin Oniesko
21-set-2018