quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Pequenas. Palavras.
Engolidas. Engasgam.
Sufocam. S.O.S.

k. o.
04/10/2018

Setembro-cinza-amarelo.

"Estou sempre atrasada, não termino nada que começo, não dobro minha coberta." "Não lavo meu prato, não limpo a caixinha de areia do meu gato, não consigo fazer duas coisas ao mesmo tempo." "Não arrumo meu armário." Me disseram. Tenho TOC? Não, não tenho. "Tenho um perfeccionismo", em tom pejorativo. Neste setembro amarelo, gostaria de dizer à todos da minha família nesta mesa que penso na minha morte todos os dias. Nem me deixaram concluir sobre o TOC. Já disseram que estou sempre atrasada? Me alcança as batatas, por favor.

k. o.
04/10/018

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Interrupção, recomeço.

Ontem, quando chegava em casa com meu filho nos braços, sob uma fina, irritante e insistente garoa, um animal imenso de peito estufado simplesmente pulou na nossa frente, impedindo que continuássemos a caminhar. Paramos. Ele, com seus olhos minúsculos e seu peito enorme, ficou nos olhando por um instante, como quem esperasse que o cumprimentassem, e então soltou seu grito, que começou bem alto e potente e terminou num suspiro, quase sem fôlego: "UÍ, UÍ, Uí, uí, uí, uí, uí...". Pedi então que meu filho o respondesse, e dissesse "oi, Sabiá!". Meu filho, que pronuncia pouquíssimas palavras por enquanto, esticou seu dedo em direção àquele ser alado gigante e respondeu: "Ó!", me mostrando seu novo amigo. Então eu disse: "Boa tarde, Sr. Sabiá, com licença." e avancei na minha caminhada. O Sabiá, por sua vez, deu dois pulinhos pra trás, mas se recusou a sair do meu caminho. Então eu, pacientemente, perguntei o que ele queria, por que não ia comer uma minhoca ou se esconder da chuva, e ele respondeu com outro grito, que soava como a corneta de um arauto: "UÍ UÍ, Uí, uí uí, uí!". Então eu me lembrei que aquela era a última tarde de inverno deste ano, e que hoje começava discretamente o desfile majestoso da Deusa coroada de flores, a tão esperada Prima Vera. E disse ao mensageiro de peito amarelo: "Ah, verdade, Sabiá! Boa Primavera pra você também!" e ele foi pulandinho, saindo do meu caminho com seu imenso peito de cores quentes. Meu filho ficou com os olhos imantados no bicho, o dedo esticado, já sem apontar, embriagado com aquela conversa. Imagino que ele devia estar pensando: "Do que será que eles estavam falando?" visto que durante a primeira primavera de sua vida ele mal fixava os olhos em alguma coisa, e talvez só agora ele tenha ouvido a palavra Primavera com alguma capacidade de entendimento racional. E seguindo nosso caminho, chegamos à sala de casa, onde temos algumas plantas em baixo da janela, e meu filho foi em direção a elas, apontando: "Ó!Ó!" e eu olhei e vi algumas folhas novas em algumas mudas, botões pequeninos em outras, raízes se agarrando à vida surgindo sob alguns galhinhos que enfiei na terra há algumas semanas, e pensei: "Gratidão, mãe Natureza, por me permitir chegar a mais esta primavera, e ver o meu e os teus frutos crescendo. E gratidão por me mandar aquele sabiá-correio, que me permitiu sentir as gotinhas geladas da garoa que caía por um pouquinho mais de tempo, e me lembrar que o inverno dói, mas a Primavera sempre chegará."



Karin Oniesko
21-set-2018