sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

É uma nova era no Brasil?

Vai ser uma nova era pro Brasil quando as pessoas puderem vestir o que quiserem, e os governantes se colocarem no seu lugar, fazendo seu trabalho, que é decidir políticas públicas que acabem com o feminicidio, com a homofobia e com o abandono parental, só alguns exemplos. Quando depois de um discurso em libras lindo, os deficientes de todo tipo (que fazem parte das minorias da sociedade) sintam-se de fato parte da sociedade brasileira, aprendendo libras e braile desde a alfabetização, tendo calçadas sem postes e com rampas de acesso em todos os lugares onde forem, só alguns exemplos.
Quando professores receberem salários que condizem com a importância da sua função, e não censuras ou cacetadas.

Um dia, no futuro, nossos filhos vão perguntar: "mãe/pai, como foi a época do governo (provável ditadura) de extrema direita que começou com o golpe de 2016?" E a gente vai dizer. E vai ter que arcar com o peso do lado que escolheu defender, sabendo que o que escolhemos pode não ser o lado que nosso filho vai estar defendendo. E que ele (ou ela) vai tomar suas próprias decisões, e amar do seu próprio jeito, e vestir o que quiser. E que as nossas decisões hoje não vão definir as escolhas dos nossos filhos, mas podem definir se eles morrerão ou não por elas, licitamente.


quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Pequenas. Palavras.
Engolidas. Engasgam.
Sufocam. S.O.S.

k. o.
04/10/2018

Setembro-cinza-amarelo.

"Estou sempre atrasada, não termino nada que começo, não dobro minha coberta." "Não lavo meu prato, não limpo a caixinha de areia do meu gato, não consigo fazer duas coisas ao mesmo tempo." "Não arrumo meu armário." Me disseram. Tenho TOC? Não, não tenho. "Tenho um perfeccionismo", em tom pejorativo. Neste setembro amarelo, gostaria de dizer à todos da minha família nesta mesa que penso na minha morte todos os dias. Nem me deixaram concluir sobre o TOC. Já disseram que estou sempre atrasada? Me alcança as batatas, por favor.

k. o.
04/10/018

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Interrupção, recomeço.

Ontem, quando chegava em casa com meu filho nos braços, sob uma fina, irritante e insistente garoa, um animal imenso de peito estufado simplesmente pulou na nossa frente, impedindo que continuássemos a caminhar. Paramos. Ele, com seus olhos minúsculos e seu peito enorme, ficou nos olhando por um instante, como quem esperasse que o cumprimentassem, e então soltou seu grito, que começou bem alto e potente e terminou num suspiro, quase sem fôlego: "UÍ, UÍ, Uí, uí, uí, uí, uí...". Pedi então que meu filho o respondesse, e dissesse "oi, Sabiá!". Meu filho, que pronuncia pouquíssimas palavras por enquanto, esticou seu dedo em direção àquele ser alado gigante e respondeu: "Ó!", me mostrando seu novo amigo. Então eu disse: "Boa tarde, Sr. Sabiá, com licença." e avancei na minha caminhada. O Sabiá, por sua vez, deu dois pulinhos pra trás, mas se recusou a sair do meu caminho. Então eu, pacientemente, perguntei o que ele queria, por que não ia comer uma minhoca ou se esconder da chuva, e ele respondeu com outro grito, que soava como a corneta de um arauto: "UÍ UÍ, Uí, uí uí, uí!". Então eu me lembrei que aquela era a última tarde de inverno deste ano, e que hoje começava discretamente o desfile majestoso da Deusa coroada de flores, a tão esperada Prima Vera. E disse ao mensageiro de peito amarelo: "Ah, verdade, Sabiá! Boa Primavera pra você também!" e ele foi pulandinho, saindo do meu caminho com seu imenso peito de cores quentes. Meu filho ficou com os olhos imantados no bicho, o dedo esticado, já sem apontar, embriagado com aquela conversa. Imagino que ele devia estar pensando: "Do que será que eles estavam falando?" visto que durante a primeira primavera de sua vida ele mal fixava os olhos em alguma coisa, e talvez só agora ele tenha ouvido a palavra Primavera com alguma capacidade de entendimento racional. E seguindo nosso caminho, chegamos à sala de casa, onde temos algumas plantas em baixo da janela, e meu filho foi em direção a elas, apontando: "Ó!Ó!" e eu olhei e vi algumas folhas novas em algumas mudas, botões pequeninos em outras, raízes se agarrando à vida surgindo sob alguns galhinhos que enfiei na terra há algumas semanas, e pensei: "Gratidão, mãe Natureza, por me permitir chegar a mais esta primavera, e ver o meu e os teus frutos crescendo. E gratidão por me mandar aquele sabiá-correio, que me permitiu sentir as gotinhas geladas da garoa que caía por um pouquinho mais de tempo, e me lembrar que o inverno dói, mas a Primavera sempre chegará."



Karin Oniesko
21-set-2018

sábado, 19 de agosto de 2017

Relato de renascimento.

Meu relato de renascimento.
É, porque começou muuito antes do parto. E da gestação até.

Em agosto de 2016 eu perdi algo realmente muito importante. Trabalhando com teatro para crianças desde 2010, vi em agosto passado isso perder todo o sentido pra mim, quando me vi corrompendo (minha saúde, minhas convicções, minha auto estima e meu amor pelas crianças) por uma equipe da qual não era mais parte. Começou esse fim dia 19 de julho de 2016, quando nasceu minha sobrinha e afilhada Sophia, (numa cesárea de emergência por pré eclâmpsia, pela qual minha irmã passou dois dias na uti) e fui recriminada pela minha equipe no trabalho por fazer questão de fazer parte deste momento da minha família. Em agosto decidi, deixei a equipe, perdi o rumo. Perdi "amigos", um trabalho que amava mais que tudo, e principalmente perdi quase todas as minhas certezas (quase, porque todas mesmo eu fui perder em novembro).
Neste mesmo agosto entrou na minha vida (numa brechinha de janela entreaberta) um cara bem diferente dos caras com quem eu costumava me relacionar. Evangélico, certinho, funcionário da FIEP e amante da solidão. Não sei se por pura carência ou por curiosidade, ou os dois, em setembro topamos um relacionamento sério.
Grudei nele como um koala, perdida e tentando suprir o buraco negro que aquele agosto (desgosto) deixou. Passamos um dia das crianças nos divertindo à beça.
E eu estava ainda tentando me reerguer profissional e emocionalmente, quando chegou o novembro (doce novembro) e sua ausência. Eu não sangrei. Fizemos "o" teste. Positivo. Fizemos mais 4. Positivos.
Lembra aquele "quase"? Virou um "absolutamente". Aí que eu perdi absolutamente todas as minhas certezas. Estava presa eternamente a um cara que conhecia ha pouco mais de dois meses, sem trabalho, sem auto estima e com um puta cagaço do que seria de mim. Pro meu alívio momentâneo, o cara não fugiu. Decidimos tentar manter o que tínhamos começado, e nos adaptar ao que nos foi dado.
Em fevereiro decidimos que seria Pedro.
Em maio passamos a morar juntos, e apostamos que Pedrinho viria no aniversário de um dos dois.

Os pródomos.

Eis que chega o tão temido julho, perdi a aposta, ele não nasceu dia 1.
Eu estava exausta e todos já me perguntavam quando eu ia marcar a cesárea (a dpp era dia 12), e por mais que eu me esforçasse pra não transparecer, estava em pânico.
Morria de medo de passar por essa cirurgia, de não aguentar as dores de um parto normal, de sofrer violência obstétrica (me amarrarem, galoparem em cima de mim, mutilarem minha vagina, etc), de ficar paraplégica, de morrer, e o pior de todos os medos: de não ver o rostinho do meu filho (sabe-se lá porque, só tinha muito medo disso). Piorou tudo depois da última consulta de pré natal, onde a obstetra me informou que se meu bebê nascesse entre dia 17 e dia 31 meu parto seria no Hospital de Clínicas, e não mais na Maternidade Victor Ferreira do Amaral (que é referência em parto humanizado em Curitiba). E juntando isso com meu histórico de depressão, imaginem, os últimos dias de gestação foram ensopados em lágrimas.
Dia 9, mudança de lua. Dores consideráveis, pés inchados, contrações, nada.
Dia 12, dpp. Cardiotoco na maternidade, contrações, dores muuito fortes, 3cm de dilatação... nada.
Dia 15, aniversário do Pedrão. Conversa, choro, "não aguento mais filhote, nasce", "é aniversário do papai, filhão, nasce", cansaço, bolo de cenoura... Os dois perderam a aposta.
Dia 18, 40 semanas + 6 dias. Chega a noite, no outro dia teria cardiotoco, e me lembrei da conversa que ouvi na maternidade. Obstetra: "não se preocupe, se chegar em 41 semanas nós colocamos um 'sorinho' (ocitocina sintética) pra fazer nascer". Lembrei de tudo o que li sobre parto, começa uma intervenção, vira uma bola de neve de intervenções (tipo amarrar, galopar na barriga, mutilar a vagina, enfiar um pegador de macarrão gigante pra literalmente arrancar a criança lá de dentro, por aí vai...). Lembrei que já tinha passado dia 17, Pedrinho nasceria no HC. Chorei, rezei, implorei pro meu filho nascer bem e logo, meditei, chorei mais um pouco e dormi.

O parto

Dia 19 e primeiro aniversário da Sophia (minha afilhada). 7h da manhã, dor, contrações de 10 em 10 min, rebolei, ta sussa. 8:30h, mais dor, ainda 10 min de intervalo, fui no banheiro, tchau tampão mucoso (ou o que restava dele, que eu já vinha expelindo ha duas semanas), rebolei, respirei, tentei dormir mais um pouquinho. 9h, bastante dor durando 2 min, mas ainda demorando uns 10 min pra ter outra, Pedrão acorda com meus gemidos e começa a marcar as contrações no app. 9:30h, "ta foda Pedrão, vou tomar um banho pra ver se passa". No banho, dooor, rebolei, mais tampão e um pouco de sangue. 10h, muita dor durando 2 min, com intervalos de 5 min, não achava posição confortável, "Pedrão, se não for hoje eu não vou dar conta não!" Rebolei, sentei, deitei, 5 em 5 min, hospital ainda não. 11h, choro de dor, urros de dor, rebolar não adiantava, absolutamente nenhuma posição adiantava, agora sim, bora pro hospital. Tiramos a última foto com Pedrinho inside, pegamos o que faltava pegar e fomos pro HC.
Chegando lá (perto de 13h), urrando de dor, fizeram um exame de toque, 6cm de dilatação e começou a correria, nem colocaram a pulseira de identificação, me mandaram trocar de roupa e me internaram.
Na sala de pré parto, estava sozinha (Pedrão devia estar cuidando das burocracias), mas estava tranquila, apesar de berrando de dor. Sabia que o que teria que acontecer aconteceria, independente do que eu esperasse. Entre uma contração e outra eu meditava, respirava e respondia perguntas repetitivas das enfermeiras. Vinha a contração, eu berrava, me pediam calma (sabe de nada inocente, eu tava calmissima nessa hora) e eu pedia pelo Pedro (o pai). Ele chegou sei lá que horas, de touca e sem máscara (ele é careca e barbudo) me fez rir, me fez carinho e começamos a parir juntos (porque sozinha tava foda). Vieram duas vezes me oferecer ocitocina, e umas quatro vezes popuseram furar a bolsa, "não obrigada, meu corpo produz ocitocina", "não obrigada, eu e meu filho vamos romper a bolsa juntos quando chegar a hora".
Aproximadamente 16h, mais um toque e 10cm de dilatação, uma santa enfermeira me chamou pra ir pro chuveiro. Entrei em baixo daquela água quentinha, e instantaneamente começou uma contração muito longa, evacuei, e "ploft" bolsa rompeu! "Isso aí moleque, a gente consegue". Me tiraram do chuveiro, uma enfermeira me deu dicas de como era a força que eu tinha que fazer, vendo que eu não ouvi, ela disse pro Pedrão: "ela vai te ignorar agora, entrou na partolândia".

O expulsivo

Fui pra sala de parto, onde um ser de Luz chamado Raquel (enfermeira obstetra e provavelmente doula) se uniu a nós no trabalho de parto. A sala estava com pouquíssima luz, consegui ver que tinham bolas, cadeiras diferentonas, uma cama cheia de coisa... mas a escadinha pra cama me pareceu a melhor coisa. Sentei no primeiro degrau, Pedrão no segundo, atrás de mim. Fooooorça, não demorou muito me mandaram caminhar no corredor. Caminhava 3 passos, ficava de 4, vomitei, dooor, até que voltei pra sala de parto. Eu não aguentava mais cagar e sentir dor, pedi anestesia e Raquel veio me "anestesiar" com uma massagem MA-RA-VI-LHO-SA, ensinou pro Pedro, e enquanto ele me massageava ela perguntou se música me acalmava, colocou música (eu não ouvi), perguntou se eu gostava do cheiro de lavanda, disse que sim e ela colocou um pouco de óleo essencial no lençol que estava no meu pescoço. Aquilo foi mágico! Me acalmou, me fez esquecer anestesia, medos, dor, eu finalmente consegui me concentrar na força e no meu filho chegando. Até que lá por 18h entrou uma obstetra na sala, fez um toque (quase chutei a cara dela, de tanta dor) e constatou que o colo do meu útero tinha criado um edema e não dilatava mais, ou seja, eu estava fazendo força à toa ha 2 horas. Veio a contração e ela tentou segurar o colo, isso doeu demais! Raquel percebeu meu incômodo com aquela médica (ela já tinha me machucado duas vezes) e pediu pra tentar. Veio a contração, Raquel segurou meu colo e a cabecinha passou por ele (entrou no canal vaginal). Beleza, agora vai! Fui pra cama, fiquei de ladinho. Passou uma eternidade (acho que uma hora mais ou menos) e Raquel percebeu que o colo do útero ainda estava agarrando o menino. Segurou de novo o colo e (uhul) senti a cabecinha saindo de mim. Raquel me deu então uma dica preciosa: "NÃO TENHA MEDO DA DOR!" Talvez ela tenha dito isso antes, mas eu não ouvi. E quando ela falou isso eu fui fazendo toda a força que tinha, sem medo. Mas infelizmente minha força já tava pouca. O coração do Pedrinho diminuia os batimentos a cada contração, passava a contração, os batimentos voltavam ao normal. Foram umas 6 contrações nessa, e nada do piá sair. Pedrão me dizia "é a última, faz força que ele sai" mas o guri não saía. Prepararam a ocitocina, eu aceitei, mas pedi pra esperarem a próxima contração. Veio a contração, e eu não ouvi os batimentos dele. E não era aquele "não ouvi" por estar longe de dor. Me deu um desespero sem tamanho, agarrei a mão do Pedro e chorei. Quando eu vi, tinham colocado a ocitocina. Veio uma contração e... chooooro do Pedrinho! Colocaram ele no meu colo, "oi, garotão! Como você é grande!" Pedrão cortou o cordão umbilical. Tiraram ele do meu colo. Percebi que estavam me costurando, perguntei se tive alguma laceração, e a resposta: "não, nenhuma, estou dando só os pontinhos do corte mesmo, foi bem pequeno, só 3 pontos". Que raiva, por isso que eu nem senti ele passar. Depois Pedrão foi ver Pedrinho, eu fui pra sala de pós parto e fiquei esperando ansiosa meu neguinho voltar pros meus braços. Comi, amamentei, finalmente estava tudo bem. Ficamos eu e Pedro nos olhando sem saber direito o que tava acontecendo nas nossas vidas, choramos horrores juntos e por fim me levaram pro quarto com meu pacotinho. 52cm e 3,7kg de puro amor.
E este agosto está sendo tão estranho quanto agosto passado, mas nesse tem muuuito amor envolvido. ❤